Notícia por O Globo – Estudo canadense tenta decifrar como os ouvintes conseguem extrair palavras e melodias de uma só emissão sonora.
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“O que será que será / Que andam suspirando pelas alcovas / Que andam sussurrando em versos e trovas”… Todos conhecemos essa lindeza que é a canção de Chico Buarque. Se gostamos muito, lembramos da letra e da melodia e a cantamos mentalmente com frequência. Mas à medida que o tempo vai passando, ficam apenas trechos da letra para algumas pessoas, ou da melodia para outras. Alguns pacientes neurológicos, por conta de lesões no cérebro, perdem a capacidade de reconhecer ou reproduzir a letra de uma canção, mas mantêm a percepção da melodia. Em outros, ocorre o contrário.
Letra e música são características das canções que a humanidade tem produzido desde épocas imemoriais. Mas reparem: nas canções, a letra é a parte verbal, enquanto a melodia é a parte musical. Fala e música ao mesmo tempo. Os neurocientistas se perguntam há muito como os ouvintes conseguem extrair palavras e melodias de uma única emissão sonora.
Resposta convincente veio há poucos dias com o trabalho de um grupo de pesquisadores canadenses, que fizeram um engenhoso experimento com cerca de 50 pessoas, metade falantes de francês, metade de inglês. Para o experimento, gravaram verbalmente 10 sentenças que eram cruzadas com 10 melodias diferentes, nos dois idiomas, formando 100 minicanções. Depois, no computador, produziram versões em que apenas o tempo de interpretação de cada uma era alterado, ou então apenas a sua distribuição de tons. Resultavam 1000 formas de apresentar as minicanções.
Funcionava assim: os participantes ouviam as sentenças cantadas normalmente, depois aceleradas ou alongadas no tempo, ou então com as frequências dos sons alteradas. “Oqueseráqueserá”, ou “O…..que…..será…..que…..será”, mais ou menos isso. Como neste exemplo, a letra era enunciada em diferentes tempos, com a melodia mantida. Em outra parte, a melodia é que sofria alterações de tonalidades, sendo a letra mantida normalmente. Em seguida, a cada par de canções os participantes tinham que indicar se havia diferença ou não entre elas. E, além disso, imagens de ressonância magnética funcional detectavam as regiões cerebrais ativas durante o experimento.
Os resultados mostraram que as alterações do tempo de interpretação impediam apenas o reconhecimento da letra das canções, enquanto as mudanças da tonalidade delas impediam somente o reconhecimento da melodia. O efeito era físico, não tinha a ver com o conteúdo das canções: a fala apresenta menos variações de tonalidade, mas depende de uma certa velocidade de emissão. Por outro lado, a melodia é o contrário: pode ser lenta ou rápida, mas depende fortemente do seu desenho tonal. É por isso que reconhecemos igualmente frases ditas por pessoas de voz grave ou aguda. E identificamos a mesma melodia tocada mais lenta ou mais rapidamente.
Constatou-se também intensa ativação das regiões auditivas primárias do córtex cerebral, consistente com essas diferenças físicas. E o mais interessante é que o reconhecimento e interpretação da letra das canções envolvia apenas o lado esquerdo do cérebro, enquanto a melodia ativava apenas o hemisfério direito.
Ouvindo Milton Nascimento cantar o Que Será Que Será, os versos separam-se e são processados pelo lado esquerdo do nosso cérebro, enquanto a melodia percorre as vias neurais do hemisfério direito. De que modo o cérebro as reúne de novo para podermos reconhecer a unidade da criação de Chico Buarque é outra história. Voltarei a isso em outro momento. Não percam!
*Professor Emérito da UFRJ e Pesquisador do Instituto D’Or
Fonte original da notícia: O Globo
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